A PALAVRA ETNIA: NOMEAR O OUTRO1
ORIGEM E FUNCIONAMENTO
DO TERMO ETNIA
NO UNIVERSO DISCURSIVO FRANCÊS

Alice Krieg-Planque
Université Paris 12 – Val-de-Marne
Céditec2 – EA 3119

 

RÉSUMÉ: Cet article montre comment les mots ethnie et ethnique (ainsi que les préfixés multi-ethnique, inter-ethnique…) fonctionnent dans l’univers discursif français contemporain comme des hétéro-désignants négatifs : ils nomment toujours les autres, et négativement, c’est-à-dire en tant qu’étrangers au système politique valorisé de la citoyenneté et du rapport à un Etat. Une exploration de la trajectoire du terme ethnie (qui remplace race, sur un mode perçu comme euphémistique) et de ses origines grecque et latine (où l’ethnique est l’étranger à la Cité puis le païen) éclaire la constance historique de ce fonctionnement.

RESUMO: Este artigo mostra como as palavra ‘ethnie’ [etnia] e ‘ethnique’ [étnico(a)] (assim como as prefixadas ‘multi-ethnique’ [multi-étnico(a)], ‘inter-ethnique’ [inter-étnico(a)]...) funcionam no universo discursivo francês contemporâneo como hetero-designantes negativos: elas nomeiam sempre os outros, e negativamente, isto é, enquanto estrangeiros ao sistema político valorizado da cidadania e da relação com um Estado. Uma exploração da trajetória do termo ‘ethnie’ (que substitui ‘race’ [raça], de um jeito percebido como eufemístico) e de suas origens grega e latina (onde o étnico é o estrangeiro à Cidade e depois o pagão) esclarece a constância histórica deste funcionamento.

ABSTRACT: This article shows how the words “ethnie” and “ethnique” (as well as prefixed expressions such as “multi-ethnique”, “inter-ethnique”, etc.) function in the discursive universe of French as “negative hetero-designators”: they refer always to “others” and do so negatively, i.e. as outsiders to the valorized political system of citizenship and of the relationship to a State. An exploration of the trajectory of the word “ethnie” (which replaces “race” in a way perceived as euphemistic) and of its Greek and Latin origins (where “ethnic” designates the outsider to the city-state, and then the pagan) throws light on the historical consistency of this functioning.

                                                                                            
Introdução

No espaço público francês contemporâneo, as palavras etnia, etnicamente e étnico, assim como as diferentes prefixadas que delas procedem (multi-étnico, pluri-étnico, poli-étnico, inter-étnico, mono-étnico... com ou sem hífen), são de usos relativamente correntes. Pudemos ler e escutar um ou outro destes termos no genocídio de 1994 em Ruanda, referindo às guerras iugoslavas de 1991-1995 e 1998-1999, ou ainda em 2001 na guerra do Afeganistão (onde etnia, todavia, se igualou a tribo).
Portanto, o emprego de etnia e de seus derivados suscita visivelmente confusão, como testemunha de maneira sintomática as aspas que a acompanham algumas vezes. Nós desejamos neste artigo detectar os motivos deste funcionamento problemático. Este projeto nos conduzirá primeiro aos caminhos da história dos discursos, nos quais etnia cruza e compete com raça, depois sob a via contemporânea do funcionamento das palavras em discurso. No que diz respeito a esse funcionamento, Etnia e étnico aparecem como hetero-designantes negativos, isto é, eles servem para nomear os outros, nomeando-os negativamente como estrangeiros, no sistema político de hoje que valoriza a cidadania em relação a um Estado.
As noções empregadas neste artigo apontam para os diversos campos das ciências humanas e sociais: ciências da linguagem em suas diferentes ramificações, evidentemente, mas também história, ciência política, filosofia política, antropologia e etnologia, sociologia... O objetivo de nossa pesquisa, nos quadros dos quais este texto se propõe, justifica tal meio: nós pretendemos assim contribuir para a descrição da língua e para a análise do real político e social. Convém, todavia, sublinhar que nós consideramos os discursos uma matéria constitutiva deste real: procuramos mostrar que temos razão de crer que os discursos são, às vezes, instrumento e lugar (e não somente origem ou conseqüência) das divisões e dos agrupamentos que fundam o espaço público. Isso demonstra que nosso trabalho bem exprime a diversidade dos métodos e saberes que ele introduz: o que está em questão é descrever o corpus com o auxílio de categorias que provém da lingüística e da análise do discurso e interpretar na pluridisciplinaridade.

Nota sobre a apresentação das referências

Neste artigo, nós distinguimos as referências em dois tipos e adotamos para cada uma delas uma apresentação material particular. Estão separados os textos ou enunciados reunidos “em parceria” e os textos ou enunciados reunidos “em corpus”3. Esta distinção não é ontológica, ou seja, ela não é determinada pela natureza mesma do enunciado citado ou, mais amplamente, do interdiscurso ao qual nos remetemos. Ela é relacional, isto é, concerne à posição que nós temos com relação a um discurso que nos é exterior no momento preciso onde nós o convocamos (um mesmo texto ou um mesmo enunciado pode, portanto, eventualmente ser citado em parceria em um momento da reflexão e em um corpus em outro momento).
O modo de citar “em parceria” remete a uma posição de co-enunciação, no sentido de o interdiscurso ser considerado como um par. Dizer que existe co-enunciação não significa que a reunião em parceria seja necessariamente um modo de “dizer com”. Ela pode também ser um modo de “dizer contra”. Podemos, com efeito, convergir com aquele que abordamos em parceria, mas podemos igualmente divergir dele.
O modo de citar “em corpus” constitui o texto em corpus e o objetiviza. Ele é um modo de “dizer sobre”. O agrupamento em corpus supõe que o olhar dirigido sobre o enunciado é aquele do pesquisador-analista e não aquele do par (não mais aquele sujeito moral ou concidadão) e, em conseqüência, o discurso reunido em corpus não é um discurso com o qual há um lugar de “falar com” ou de “falar contra” (se bem que possamos estar a favor ou contra, por outro lado).
Os enunciados com os quais mantemos uma relação de parceria são apresentados e unidos em sua referência abreviada, de tipo “autor, data: página” ou “autor (data: página)”, conforme os usos das publicações científicas. A referência abreviada pode aqui se justificar na medida em que relativamente importa pouco, deste ponto de vista, que o lingüista Untel, que nós citamos em parceria no seu texto de 2000, tenha publicado este último na Langue Française, Paris, Larousse ou na L’information grammaticale, Paris, Société pour l’ Information Grammaticale. Na “Bibliografia” no fim do artigo, o leitor encontrará as referências completas dos textos que foram citados ao menos uma vez em parceria. Os nomes das pessoas citadas em parceria estão em maiúscula.
Os enunciados que nós reunimos em corpus são apresentados e acompanhados de sua referência completa. De fato, não importa que o comentarista do conflito iugoslavo, Untel, que nós citamos em corpus, se exprima em uma entrevista impressa nas primeiras páginas do Libération, em uma tribuna publicada pelo Le Monde, na revista Confluences Méditerranées, na coleção “Objections” das edições L’Âge d’homme, ou nas obras de pesquisa publicadas pelas edições La Découverte.  Não importa também que o doriotista4 Jacques Boulanger, que nós citamos em corpus pela importância que ele da à etnia como categoria pertinente de descrição dos grupos humanos, expressando tal posição em volumosas obras publicadas em 1943 em uma coleção chamada “Aspects de la science” ou que ele as faça na tribuna de um jornal político. No modo de citar em corpus, o lugar de tomada da fala é constitutivo da tomada da fala em si (como tomada da fala a analisar, e não como o conteúdo sobre o qual ou contra o qual nos apoiamos). As referências dos textos que citamos exclusivamente em corpus não são retomadas na “Bibliografia”. Os nomes das pessoas das quais a fala é reunida em corpus estão em minúsculas.

1. As origens e as qualificações de etnia e de seus derivados: o emprego de raça por etnia

Na história recente dos usos, etnia se caracteriza por sua relação com raça, da qual ela tornou-se um substituto parcial no universo discursivo contemporâneo. Essa história não está ausente da memória coletiva, o que significa que a relação de etnia com raça não é somente um caso suscetível de interessar ao lexicólogo que trabalha com a diacronia: a relação entre essas duas palavras é assim igualmente um elemento constitutivo de etnia tal como ela funciona hoje.
Que a palavra etnia seja parcialmente substituta da palavra raça, numerosos pesquisadores têm observado. Pierre Darlu assim constatou nos manuais das séries finais, dos quais ele acompanhou a evolução no decorrer do tempo, que “o abandono puro e simples do conceito de raça se acompanha freqüentemente de sua substituição por um outro conceito, geralmente aquele de população ou de etnia” (P. Darlu, 1992: 72). A tendência a substituir palavras derivadas de raça por palavras que pertencem ao paradigma de etnia tem igualmente espaço no discurso jurídico, segundo Daniele Lochak (1992), e nos discursos do cotidiano de acordo com as observações de Collete Guillaumin (1992 e [1972] 2002: 85-88), por exemplo. Alguns lexicógrafos, de sua parte, têm utilizado esta substituição em seus dicionários. Assim, podemos ler na entrada de Etnia no Dicionnaire historique de la langue française: “Ela [a palavra etnia] tende a substituir alguns empregos abusivos de raça, mas permanece didática”.
Esta substituição é observável também, a propósito, nos espaços precisos da geopolítica. Podemos, por exemplo, realçá-la no espaço iugoslavo, no qual a questão da raça foi tratada a algum tempo: no início do século 19, raça(s) é bastante utilizado para designar as populações da Bósnia pelos franceses que percorrem a região5. No que diz respeito, ainda, ao espaço iugoslavo, podemos comparar os dois enunciados que se seguem, onde vemos que o mosaico de raças é substituído, num intervalo de vinte anos, pelo mosaico de etnias.

Guia de viagem publicado em 19586:

Este mosaico de religiões, de costumes, de raças e de línguas, forma um todo, a Iugoslávia, que permanece sem dúvida o país mais apaixonante da Europa.

Artigo da imprensa francesa de 19807:

Criada ex nihilo no amanhã da Primeira Guerra mundial, a Iugoslávia é o arquétipo do não-Estado construído às pressas sobre um mosaico de nações, de etnias, de línguas e de religiões fundamentalmente diferentes e antagônicas.

Como um termo chega a se substituir por um outro? A maioria dos pesquisadores e comentaristas perceberam no emprego parcial de raça por etnia o resultado de uma ação conduzida após a Segunda Guerra mundial para livrar os discursos políticos e científicos da “infâmia da raça e de seus derivados”, segundo a expressão de Étienne Balibar ([1988] 1997: 32), infâmia que o nazismo teria lançado sobre esse léxico. Contudo, é parcialmente verdadeiro: no imediato pós-guerra, diferentes pessoas e instâncias trabalharam deliberadamente para a erradicação da palavra raça e, para alguns dentre eles, a sua substituição por etnia. O filósofo Jean Gayon8 lembrou o papel motor que representou a Unesco e neste quadro Claude Lévi-Strauss e seu texto Race et histoire9, nesta desconstrução da palavra e da noção de raça. Em 1950, a jovem Unesco publica uma Declaração sobre a raça, redigida por sociólogos e antropólogos. Os redatores escrevem:

Os graves erros ocasionados pelo emprego da palavra “raça” na linguagem corrente exprimem desejavelmente que renunciemos completamente a este termo quando o aplicamos à espécie humana e que adotemos a expressão “grupos étnicos10”.

Em 1951, um segundo debate organizado pela Unesco chegou a uma Declaração sobre a raça e as diferenças raciais, redigida por um grupo de geneticistas e de especialistas em antropologia física. As discussões que prepararam esta declaração mostram posições muito diversas: alguns participantes consideram que a supressão de raça é uma passagem perfeitamente ineficaz (é a posição adotada pelos geneticistas Lesley Dunn e Theodosius Dobzhansky); outros, ao prolongar a posição adotada em 1950, preconizam o abandono de raça e sua substituição por etnia ou por grupo étnico (é a posição adotada pelo antropólogo Asley Mantagu e pelo geneticista Lionel Penrose). Como assinala J. Gayon, o pós-guerra marca a desconstrução biológica da noção de raça humana, no sentido de uma invalidação desta noção no campo teórico das ciências da vida. Por conta dessa desconstrução, termina a passagem da palavra raça do léxico da ciência, passagem que foi em suma bastante resumida (fim do século XVIII – metade do século XX), raça sustenta, de partida, uma noção relevante do discurso político (em francês, ela aparece em um contexto de debates sobre a transmissão hereditária da nobreza, no fim do século XV).
Certamente, não ignoraríamos a relevância dos trabalhos conduzidos pós-guerra no apagamento relativo de raça em proveito de etnia, apagamento que constatamos hoje. Entretanto, não se deve negligenciar um outro fato, que é menos conhecido: o trabalho executado bem antes de 1945, pelos racialistas, desta vez para difundir a palavra etnia. Os parágrafos que sucedem põem em evidência e contextualizam os esforços efetuados nesta direção pelos autores racialistas, a começar por Georges Vacher de Lapouge, que deu origem à palavra.
O criador da palavra etnia na língua francesa é Georges Vacher De Lapouge, que empregou pela primeira vez este termo em 1896 em sua coleção Les Sélections sociales11. A partir do grego ethnos, G. Vacher de Lapouge forma dois exemplos: “Eu propus ethne ou ethnie, vocábulos dos quais o primeiro é o mais correto, o segundo mais fácil de pronunciar.12”. (Nos discursos eruditos, no decorrer dos anos de 1930, o termo mais fácil a pronunciar ganhará definitivamente do termo mais correto). Graças ao substantivo etnia, Georges Vacher de Lapouge, teórico da raça e da seleção, desejou purificar sua descrição dos grupos humanos: de seu ponto de vista, nação permite descrever os humanos segundo seu pertencimento a uma entidade política e socio-histórica, raça descreve os humanos segundo suas características biológicas e físicas comuns, etnia descreve os humanos por língua e cultura partilhada. Vários racistas e racialistas dos anos 1930-40 retomam a distinção raça/etnia assim proposta. O doriotista Jacques Boulanger, aliás, muito crítico ao trabalho de G. Vacher de Lapouge, rendeu-lhe muitas homenagens por ter “distinguido mais puramente que seu predecessor [Arthur de Gobineau] a raça de etnia (e é essencial)13”.
Mas o grande promotor de etnia nos anos 1930-40 é George Montandon, médico perito em antropologia, o primeiro teórico etno-racial a tornar-se, nos fins dos anos de 1930, um ativo militante anti-judeu e depois o expert em raça judia do regime de Vichy14. O geógrafo e historiador Roland Breton explica que na metade dos anos de 1930 a palavra etnia estava ainda “em concorrência, nos melhores meios científicos, com outros neologismos mais sabidamente propostos aqui e ali: ethnos, ethnicum, ethnea” (R. BRETON, [1981] 1992: 5). Muito talentoso e reconhecido pedagogo por seus contemporâneos, George Montandon permite ao termo etnia “adquirir e ganhar, de um público mais amplo, algum interesse” (R. Breton, idem).
Com o apoio do comandante Arthur de Gobineau e de Georg mes Vacher de Lapouge, Montandon não pára de defender, a partir do livro que ele publica em 1933 e nas obras posteriores15, a utilidade da noção de etnia. Em março de 1941, George Montandon fez aparecer no primeiro número de uma revista que ele designou de L’Ethnie française – título explicitamente escolhido em referência a um livro que ele tinha editado na Payot em 1953, a qual será publicada muito irregularmente até abril de 1944, com o subtítulo de Revue mensuelle de doctrine ethno-raciale et de vulgarisation scientifique16. A revista relaciona, principalmente, os trabalhos conduzidos no seio do Instituto de Estudos das Questões Judias (IEQJ, transformado em março de 1943 no IEQJER, Instituto de Estudos das Questões Judias e Etno-Raciais), que Montandon dirige a partir de janeiro de 1943. Na quase totalidade dos artigos que ele publica ao longo da impressão da L’Ethnie française, George Montandon explica incansavelmente a centralidade da noção de etnia para a descrição dos grupos humanos. Isso se dá também no semanário colaboracionista e anti-semita La Gerbe, onde ele escreve regularmente entre 1940 e 1944, ou ainda na Au Pilori, onde ele assina ocasionalmente artigos. 
Etnia, tal como concebida por G. Mantondon, é um hiperônimo de raça: “a etnia não supõe a raça: ela a engloba17”. A característica de etnia se explica pela definição que G. Montandon dá a este termo:

A etnia é o agrupamento natural definido pela totalidade dos caracteres humanos, distribuída em cinco classes: somáticas (isto é raciais propriamente ditas), lingüísticas, religiosas (importantes para a definição de algumas etnias, como a etnia judia), culturais e mentais18.

Notemos que, por sua característica central na teoria e por sua dimensão relativamente englobante das outras noções, a etnia tal como considerada por George Montandon é muito próxima desta que os nazistas, na mesma época, chamaram Volkstum. Derivada do substantivo Volk, o substantivo Volkstum poderia ser traduzido por nacionalidade ou por caráter nacional. Mas, na realidade, Volk não se resume a povo, Volkstum não se deixa tomar nessas traduções. Valorizada no movimento romântico alemão, Volkstum designa a tradição popular sob um modo essencialista: o Volkstum é o espírito original do povo, a essência ou a alma da nação (mas uma nação considerada como uma “nation ethnos”), seu princípio unificador19. Mais tarde, no vocabulário nazista, Volkstum assume uma dimensão racial e designa, poderíamos dizer, a “população como raça”. O Código penal nacional-socialista de 1933 enuncia assim: “É dever do Estado nacional-socialista colocar um termo para a mestiçagem racial produzida na Alemanha depois dos séculos e de fazer de tal modo que o sangue nórdico, ainda dominante hoje no Volkstum alemão, impregne de novo em nossa vida sua qualidade particular20”. A exemplo de etnia em Montandon, o Volkstum dos anos 1930-40 engloba a raça.
Por conta do caractere central, a seus olhos, da noção de etnia, George Montandon utiliza moderadamente as palavras raça e racial em seus escritos. Mas ele faz um uso abundante das palavras etnia e étnico, que ele contribui para difundir na língua francesa. Podemos notar que esta difusão permanece, todavia, modesta: na França dos anos 1930-40, é muito mais a palavra raça que domina. Tal predominância pode ser verificada na leitura dos documentos da época, em que raça e seus derivados são muito mais empregados que etnia e seus derivados. Isso é igualmente atestado nos diversos enunciados que expõem a palavra raça como uma palavra de emprego corrente, tal qual este enunciado do fim do ano de 1933: “Hoje não somente os estudiosos, mas também o grande público, falam correntemente das raças, do racismo, em uma perspectiva científica como um assunto realmente atual21”.
A iniciativa de Montandon, ainda que conduzida com o método de espírito pedagógico e a determinação de um homem convicto, está longe de ser coroada pelo sucesso; daí o fato que os anti-racistas do pós-guerra terão se interessado por raça e não por etnia.
Etnia e os termos que dela derivam são feitos objetos, na França, de duas promoções sucessivas.
Primeiro, em um contexto racista e racialista que se estende do fim do século XIX aos anos de 1940, etnia é valorizada porque ela completa utilmente raça e permite afinar a descrição. Notemos que é possível visualizar os prolongamentos desta promoção nos desenvolvimentos contemporâneos de um “racismo sem raça”, ao qual se postula a irredutibilidade das diferenças culturais antes das diferenças biológicas hereditárias. Este “racismo sem raça” implica - e produz, de fato, nos discursos - uma marginalização relativa de raça e um avanço dos termos etnia, cultura, identidade, tradição, mentalidades ou ainda civilização. Os discursos e as práticas que operam tais distinções compreenderam oportunamente que existe, como aponta Pierre Taguieff, uma “independência funcional do racismo em relação a uma determinação científica do termo ‘raça’” (P.-A. Taguieff, [1987] 1990: 106-107) e que “desembaraçar-se do conceito científico de raça ou de seu primado metodológico não equivale a anular e erradicar a eficácia simbólica da racização” (op. Cit. : 106).
Em seguida, no contexto anti-racista, que se constitui pouco a pouco após 1945, vê-se a palavra etnia valorizada em sua difusão, mas dessa vez ela admitiria substituir a palavra raça de hoje em diante manchada. Esse segundo contexto de difusão é provavelmente o mais conhecido hoje, o mais vivo nas memórias de cada um.

2. Etnia e raça: recobrimentos semânticos

A passagem de raça à etnia, nos numerosos discursos, se tornou mais fácil porque estas duas palavras, longe de serem separadas por uma divisão estanque em suas significações, apresentam fortes recobrimentos semânticos. Na maioria dos dicionários de língua, uma das representações de raça (a raça como grupo cultural) recobre a significação principal de etnia (que raramente refere à raça). O Trésor de la langue française, por exemplo, registra entre as significações de raça:

1. Agrupamento natural de seres humanos, atuais ou fósseis, que representam um conjunto de características físicas comuns hereditárias, independente de sua língua e nacionalidade.
2. Conjunto de pessoas que apresentam características comuns relativas à história, em uma comunidade atual ou passada, de língua, de civilização sem referência biológica devidamente fundamentada.

A segunda referência de raça, que se define pelo cultural em oposição ao biológico, corresponde estritamente à representação de etnia dada pelo mesmo Trésor de la langue française:

Grupo de seres humanos que possuem, mais ou menos em sua maioria, uma herança sócio-cultural comum, no que diz respeito à língua.

Os dicionários registram muito mais o inverso disto que observamos nos discursos: segundo os dicionários raça funcionaria como hiperônimo de etnia; nos discursos contemporâneos, etnia tem a tendência de funcionar como hiperônimo de raça.
Esta divergência entre os discursos da lexicografia e os discursos correntes não deve impedir de se ver a conclusão essencial dessas observações: raça e etnia não são estranhas uma à outra do ponto de vista semântico. Em alguns enunciados, derivados de raça e derivados de etnia são empregados com uma co-referência que sugere uma proximidade semântica estreita dos dois radicais. Assim como um jornalista utiliza separação étnica como anáfora de demarcação racial.

Em Los Angeles, a demarcação é também, antes de tudo, racial [e não social]. Bairros brancos, bairros negros, hispânicos, chineses, cambojanos... Esta separação étnica dos bairros resulta da política de segregação sistemática nos lugares de trabalho, na escola e na vida pública, que prevaleceu até 194022.

Eis, ainda, quando um jornal utiliza sucessivamente tensão inter-étnica e incidentes raciais para designar a mesma coisa no artigo de título “Tension interethnique sur l’île aux Chiens” [“Tensão inter-étnica na ilha dos Cães”]:

Desde a eleição, em setembro, de um membro do partido fascista BNP no conselho municipal deste bairro popular no sudoeste de Londres, os incidentes raciais se multiplicam23.

A substituição parcial de raça por etnia explica, em parte, que os derivados de etnia sejam portadores da idéia de raça: o termo etnia sendo produzido se substitui por raça recuperando parcialmente suas capacidades designativas. Com efeito, reencontramos enunciados dos quais um derivado do radical etnia remete à raça biológica ou designa raças biológicas. Um jornalista, após ter evocado a co-presença em Los Angeles “dos Negros”, “dos Asiáticos” e dos “Brancos”, definiu, portanto, grupos biologicamente, o que explica a coabitação desses grupos:

Na rua, todas as etnias podem se misturar; não as gangues24.

Como testemunha este artigo etnias pode assim designar raça.
Alguns enunciados encontrados em um corpus que nós constituímos para o estudo da fórmula purificação étnica25 mostram também que os derivados de etnia podem ser portadores da idéia de raça e que a fórmula da purificação étnica pode ser interpretada como indicando o racial. É desse modo que compreendemos um enunciado de Pierre Bouretz, redator chefe da Esprit. Este, na La Croix26, explica que os atos cometidos pelos nacionalistas sérvios revelam um crime contra a humanidade. Estes atos tendo, escreve ele, “a forma” (“porque eles tocam essencialmente nos civis”). Eles “têm assim os motivos: político de hegemonia ideológica, fator religioso, critérios raciais quando se tem em vista um empreendimento de “limpeza étnica” conduzindo o projeto de uma “purificação étnica”.
É ainda esta presença da idéia de raça nos termos derivados de etnia que dão coerência à manchete do artigo publicado em um semanário de informação geral para adolescentes:

Sérvios, Croatas e Muçulmanos se afrontam na Bósnia-Herzegovina. Os Sérvios perseguem sua “limpeza étnica”, sinônimo de exterminação racial27.

3. Etnia vista como eufemismo de raça

Se etnia pode remeter a raça (e reciprocamente, sobretudo após os dicionários), os dois termos não são do mesmo modo considerados iguais na maneira de indicar a referência de um nome: etnia e seus derivados são freqüentemente lembrados como modos de acesso desviados, indiretos, a um objeto designado, enquanto raça e seus derivados nomeariam frontalmente. Dito de outro modo, etnia é vista como um eufemismo.
Esta caracterização, aquela mesma que conduz numerosos locutores a colocar sobre etnia o que nós chamamos de um “julgamento de eufemização28”, nos parece diretamente ligada às condições da qualificação de etnia e de seus derivados no pós-guerra: utilizando etnia, não se fazia senão substituir um termo tornado inútil por um outro termo mais apresentável, pois este era menos marcado discursivamente (percebido como tal).
Por exemplo, é porque eles recusaram participar disto que consideravam “estratégias de eufemização”, segundo a expressão de Étienne Balibar (1992:249), que alguns participantes de um colóquio organizado em 1992 sobre o tema “A palavra raça é excessivamente empregada na Constituição Francesa?29” responderam negativamente a esta questão. O mesmo motivo já tinha conduzido alguns participantes dos debates organizados pela Unesco nos anos 1950 a considerar como uma falsa boa idéia a substituição de raça por etnia ou por grupo étnico. Mais recentemente, o mesmo argumento foi empregado no contexto dos debates suscitados por uma proposição de lei tendendo a suprimir a palavra raça da legislação francesa30. Pascal Clément, por exemplo, presidente da Comissão de leis, contrário a essa proposição, tinha a seguinte proposta (falando ele em terceira pessoa, como é de uso nesse tipo de texto):

Após ter indicado que uma etnia era, segundo sua definição mais conhecida, uma sociedade humana considerada homogênea, fundada sobre uma concepção partilhada de uma mesma origem e possuindo a mesma cultura e a mesma língua, observou-se que seus atributos pareciam muito próximos desses comumente atribuídos à raça e que em conseqüência, a proposição de lei advinha de um eufemismo adotando uma tentativa inspirada por uma preocupação ‘politicamente correta”, mas juridicamente infundada31.

Na imprensa, reencontramos enunciados que, de modos diversos, caracterizam etnia ou um de seus derivados como um termo que mascara o real, que nomeia negligentemente ou que esconde um outro termo, que não seja ele mesmo raça:

Oculta-miséria da raça, a noção de etnia cai na França sob o golpe de diversas proibições32.

Ou em outras palavras:

As guerras tribais (chamadas hoje “rivalidades étnicas” em politicamente correto) permanecem [na África] um fenômeno massivo, como testemunha a tragédia ruandesa33.

O fato de etnia e étnico serem percebidos como eufemismos deixa transparecer nos discursos contemporâneos um emprego no mínimo embaraçoso: utilizar a palavra de maneira deturpada não é visto positivamente no mundo em que o “pensar justo” é suposto de um uso da “palavra justa”, visando de alguma maneira diretamente o real.

4. Etnia e étnico: hetero-designantes negativos

 A palavra Etnia não tem somente semelhanças e diferenças em relação à raça: é possível se interessar por etnia e por seus derivados eles mesmos. Tal como eles funcionam no universo discursivo contemporâneo da língua francesa, a característica mais notável destes termos é que eles participam de modos diversos, de hetero-designações: etnia designa “os outros”34, ou ainda, como o escreve Annamaria Rivera, “os outros são sempre étnicos35”. Etnia aparece como um termo que permite nomear as representações da alteridade, ou ainda, construir categorias “de alteridade”, para tomar as palavras de Collete Guillaumin ([1972] 2002:13). Nas páginas seguintes, nós nos propomos analisar precisamente em que sentido os étnicos são os “outros”.
Em um primeiro nível, intuitivo e rápido, etnia parece participar da hetero-designação na ordem da geografia. Etnia designaria “os outros distantes”. Falaremos assim das etnias no Afeganistão, na Caucásia ou na África (a propósito da qual falaremos, por exemplo, dos Dinkas como a “principal etnia do sul do Sudão”36 ou de Hutus como a “etnia majoritária37” do Burundi). Mas não falaremos de etnia francesa – diferença notável com período de 1930-40 – em que não falaremos mais de etnia bretã, de etnia magrebina ou de etnia corsa (mas sim de cultura bretã, de comunidade magrebina e de povo corsa38). Em contrapartida, é possível notar que este permanece, para designar os fatos ou os acontecimentos que se produzem na França, em que se recorre ao adjetivo étnico39, (que compreende as margens dos discursos de extrema direita, que fazem por sua parte um emprego singular e singularmente freqüente40). Esta observação indica que a relação do adjetivo étnico com o nome etnia não obedece às leis da física moderna (nada se perde, nada se cria), fenômeno, aliás, que nós temos analisado como um índice de ambigüidade relacional associado a uma sub-determinação enunciativa41.
Em apoio a este tese intuitiva segundo a qual etnia serve para a hetero-designação na ordem da geografia, alguns empregos do adjetivo étnico parecem revelar o perfume longínquo que exala este termo. Nos domínios das vestimentas e acessórios de moda42, naqueles do mobiliário e da decoração de interiores43, ou ainda nas indústrias de produtos alimentares e de alimentação44, étnico funciona como sinônimo de exótico. Por exemplo:

Tecidos astecas multicolores, perfumes de especiarias irradiados, promoções de tacos e guacamole... A moda está nos produtos étnicos45.

Na mesma perspectiva, o emprego substantival do adjetivo pode designar os produtos exóticos (assim podemos ler que “o étnico se desenvolve sobretudo em brisas frescas”46). Não é o étnico, neste emprego, que é realmente percebido como estranho aos hábitos (na ocorrência, os hábitos dos franceses). É assim que “os raviólis ou o cuscuz” pertencem ao “étnico de antigamente47”, segundo uma revista semanal profissional especializada em distribuição. Dito de outro modo, estes pratos não são mais produtos étnicos, porque eles foram “assimilados” ou “integrados” – precisamente – às praticas alimentares da sociedade francesa.
No entanto, o valor de etnia como designando “os outros distantes” nos apresenta uma conseqüência finalmente menor de uma caracterização dos “outros” bem mais radical e que sustenta a palavra etnia. Esta caracterização, no rastro da qual o hetero-designante de valor geográfico é talvez formado por um traço em que “os outros” são outros politicamente e em seu sistema de valores: etnia é um hetero-designante de valor político e designa “os outros diferentes na política”. A acepção moderna de exótico (“Aquilo que vem dos países longínquos e quentes”, diz o Nouveau Petit Robert) remete, nesse caso, à sua etimologia (estrangeiro) e na sua acepção mais antiga (“Àqueles que não pertencem às civilizações do Ocidente”). Assim como a África é mais distante da França48 e o é a Corsa (ou Brest) de Paris, os seus habitantes são descritos com o auxílio dos derivados de etnia, porque se supõe que eles funcionem em um sistema político diferente do “nosso”.
Deste ponto de vista, etnia reencontra as origens históricas que o termo tinha perdido com os racialistas dos anos 1930-40. De fato, se a palavra etnia chega tardiamente à língua francesa, sob a pluma de Vacher de Lapouge, os seus parentescos com o grego, com o latim e com o antigo e comum francês já se faziam presentes bem antes de 1896, sempre com acepções que os tornavam hetero-designantes negativos. Antes da inovação proposta por Vacher de Lapouge, a palavra grega ethnikos, derivada de ethnos, origina as palavras do latim eclesiástico, que passarão em seguida ao francês49. Tendo em vista o nosso propósito, é fundamental analisar os valores destes diferentes termos: uma exploração de sua trajetória esclarece a permanência histórica de seu funcionamento observável hoje no universo discursivo francês. Ethnos, para os gregos antigos, designa toda classe dos seres vivos, animais ou humanos, que vivem juntos. Mais restritivamente, ethnos designa os povos que não são organizados em polis: Aristóteles definiu ethnos como uma população que vive fora do sistema da Cidade. Annamaria Rivera (1999: 47) comenta assim esta acepção aristotélica e lembra o quanto etnia, desde a origem, caracteriza os outros por seu caractere deficitário:

A polis era uma cidade-Estado, uma comunidade dotada de costumes e de leis bem definidas, ao contrário de ethnos que designava uma população de instituições mal afirmadas, uma forma apolítica de organização social, anterior e inferior à polis. Os ethnê eram, em suma, as sociedades outras, aquelas dos gregos por assim dizer “incivis” e aquelas dos “Bárbaros”, que não falavam a língua grega.

A partir da palavra grega ethnikos, o latim da Igreja forma ethnicus, que serve para designar as nações e as superstições pagãs. Estes são, portanto, sempre “os outros” estranhos ao sistema que se encontram designados, salvo se é questão do sistema religioso, e não mais político, o que não é radicalmente diferente em um mundo onde o religioso e o político se associam para atribuir a cada um seu lugar na sociedade e para determinar a cada sociedade seu lugar ao olhar dos outros grupos humanos. É com sua acepção estritamente religiosa que a palavra chega à língua francesa, primeiramente como substantivo, com duas grafias (etnique, no século XIII, passando a ethnique, na metade do século XVI), depois como adjetivo (ethnicque na metade do século XVI, passando a ethnique na metade do século XVIII). A partir da metade do século XVIII, ethnique rompe com suas origens latinas eclesiásticas. Seu estrito sinônimo com païen [pagão], que atesta os dicionários do antigo e comum francês se apaga, e o adjetivo ethnique sai do domínio religioso para designar aqueles relativos a uma população, sem o domínio metalingüístico acessível primeiramente50, emprego este que ainda perdura. Após 1896, Vacher de Lapouge criou o substantivo ethnie [etnia], o adjetivo já existente conquista em seu trajeto um neologismo novamente forjado: ethnique [étnico] que pode qualificar “o que é relativo à etnia”. Assim, contra toda intuição, e contra um sentimento lingüístico sem dúvida bastante partilhado, esta acepção do adjetivo é somente, como escreve o Dictionnaire historique de la langue française, um sentido “por extensão”.
As palavras ethnie [etnia] e ethnique [étnico] parecem hoje ter sido muito esquecidas de seu périplo no discurso racialista, onde elas podiam ser úteis para a auto-designação e designar positivamente, assim como fazia Montandon a apologia da “etnia francesa” em sua revista de mesmo nome. De suas origens gregas, latinas e francesas antigas, convém todavia muito bem sublinhar: elas designam sempre “os outros” exteriores ao sistema.
Este sistema não é mais aquele do sentido estrito da polis grega, menos ainda o cristão, mas aquele da cidadania: ethnie [etnia] e ethinique [étnico] caracterizam um grupo fora de sua relação a um Estado. E, de fato, os diferentes critérios conservados mais ou menos pelos etnólogos e antropólogos para definir etnia (parcela de um auto-designante, referência a uma história ou mitos comuns, unidade de língua, território comum, endogamia, especialização em atividade sócio-econômica51...) não consideram a cidadania. Ethnie [Etnia] e ethnique [étnico] remetem assim aos “outros” que figuram fora do sistema avaliado positivamente, aquele da cidadania e da relação a um Estado, a “outros” que figuram em um sistema avaliado negativamente e que pode ser considerado através de categorias tais como “ nation ethnos” ou “comunitarismo”, por exemplo. O historiador inglês professor nos Estados Unidos, Benedict Anderson ([1983] 2002), descreveu o processo de construção dos Estados nacionais no centro da noção de “comunidade imaginada” (“imagined community”), que retoma o processo de “communalisation” [“comunalização”] proposto por Max Weber ([1922] 1995: 78-82). De acordo com B. Anderson, os Estados nacionais são constituídos graças a uma crença, difundida e mantida especialmente pela mídia, segundo a qual um conjunto de comportamentos, de atitudes e de valores é partilhado pelas outras pessoas com as quais algum contato interpessoal não será nunca estabelecido: cada indivíduo tem uma chance nula de reencontrar em sua vida todos os indivíduos que são membros da comunidade e, no entanto, ele os imagina como próximos, parecidos e pertencentes à mesma comunidade que ele.
Tal como são empregados no espaço discursivo francês atual, etnia e étnico remetem a indivíduos e a grupos do qual o funcionamento escapa àquele de uma “comunidade imaginada”, ou porque eles não tenham ainda acedido (o sistema político subjacente a etnia é então apreendido como a sobrevivência de uma organização arcaica) ou porque eles tenham acedido, eventualmente, incompletamente, e em seguida estejam fora dele (o sistema subjacente a etnia é então apreendido como uma regressão do progresso político). O uso da categoria “etnia”, neste sentido, produz ao mesmo tempo um ponto de vista evolucionista sobre o devir das sociedades humanas.
Os enunciados que se remetem ao espaço iugoslavo, redigidos durante a guerra na Croácia e ou na Bósnia, testemunham a negatividade da categoria “etnia” em oposição à “cidadania”, categoria marcada de maneira positiva no espaço público francês contemporâneo: 

Não há nacionalismo bósnio, há uma cidadania bósnia. De fato, é a única República da Iugoslávia que afirma o primado da cidadania sobre a etnia. Ela representa a miniatura da Iugoslávia democrata e aberta da qual poderíamos esperar a criação52.

Encontramos a mesma oposição sob a pluma de um repórter segundo o qual é preciso sustentar a capital da Bósnia por uma única razão “os defensores de Saravejo lutam por uma idéia: o direito dos cidadãos, que deve primar sobre as etnias53”. As palavras comunidade, religião, , tradição formam igualmente o pólo negativo de “etnia” que se opõe a “cidadania” valorizada, o que indica também, por exemplo, este extrato de uma tribuna de Salman Rushdie:

Os habitantes de Saravejo não se definem em termos de fé ou de comunidade, mas simplesmente – e honradamente – em termos de cidadania. Se esta cidade cair, nós todos seremos seus refugiados54.

Conclusão

Para concluir, é preciso insistir no fato de que estas considerações finais sobre etnia e seus derivados correspondem e não correspondem nos seus usos contemporâneos, na língua francesa, no espaço público francês. Eles não são a priori transposições de um universo discursivo onde reinam não somente outras línguas, mas também outros valores sociopolíticos, uma outra História e memórias outras da História. O lingüista, que trabalha sobre a língua, deve considerar os efeitos que a língua produz ela mesma como sistema de impedimentos (ele “deve supor” no sentido bem real de uma condição de possibilidade em seu trabalho, a crença sendo uma tendência não somente a seguir, mas ainda a refletir). Ele sabe, em conseqüência, que se deve desconfiar de tudo o que, pelo fato de que a língua exista, afete o sentido55: lematização; tradução de língua a língua que muda as conotações e os domínios de aplicabilidade referencial; transformações morfossintáticas que têm por conseqüência instaurar o unívoco do mesmo modo que a sub-determinação é constitutiva do que se está dizendo; manipulações diversas que têm por efeito impor o homogêneo lá onde precisamente é o heterogêneo que se precisaria tentar reter; e tudo o que impede de por em evidência as ambigüidades, que são um discurso ao mesmo tempo das condições de sua viabilidade e as possibilidades de seu perigo. O historiador, o cientista político, o sociólogo, o antropólogo, eles devem crer – igualmente no sentido de um postulado necessário – na característica intransponível dos tempos históricos e sociais para os homens e mulheres que vivem nestes tempos e nestes espaços. Eles sabem que devem desconfiar do anacronismo (não que se deva renunciar às virtudes deste, mas deve-se ter consciência de que procedemos ao anacronismo quando a ele recorremos). O analista do discurso deve crer nos dois (posição de modo algum insustentável, aliás): considerar que a língua é alguma coisa da qual é impossível de se livrar e crer que esses fatos da língua que ele tenta descrever e interpretar não fazem sentido senão na sociedade humana que os torna fala.
No caso de etnia e de seus derivados, não é suficiente dizer que toda a língua que não seja o francês necessitaria de uma exploração específica. É necessário acrescentar que isso mereceria uma investigação à parte, em toda língua tal qual ela é empregada em um espaço público dado. Por exemplo, o universo discursivo anglo-americano dispõe essencialmente de ethnic group e de ethnic community (como os únicos equivalentes possíveis de uma ethnie [etnia] que não existe sob a forma substantival no outro lado do Atlântico56), de ethnic e de ethnical como adjetivos gêmeos e, enfim, de race e de racial. Se o universo discursivo anglo-americano apreende de maneira singular estes termos assim como as relações que estes estabelecem, não é somente por conta dos recursos próprios da língua anglo-americana, mas principalmente por causa das concepções específicas de nação e de comunidade, de uma agenda pública diferente (posta à ordem do dia de um Negro problem, por exemplo, mas não de um problema de imigração) e de uma divisão acadêmica neste instante muito pouco praticada na França57. Quanto aos espaços públicos parcialmente francófonos – belga, do Quebec, algeriano, libanês, egípcio, senegalês, maliano... – nada impede de fazer a hipótese que estejam em funcionamento os mecanismos que nós isolamos no curso deste artigo.
No espaço público francês contemporâneo, em todo caso, assim como nós quiséramos mostrar, etnia e étnico aparecem como instrumentos e lugares lexicais – discretos mas eficazes no discurso – da separação e da determinação em política.

 

Tradução: Marcos Aurélio Barbai

 

Notas

1 N. do Trad. Este texto foi publicado no Cahiers de lexicologie. Revue internationale de lexicologie et de lexicographie, Paris, Editions Garnier, nº 87, 2005/2. pp. 141-161.

2 Centre d’études des discours, images, textes, écrits, communications - http://www.univ-paris12.fr/www/labos/ceditec

3 Para mais detalhes ver A. Krieg-Planque (2003:23-25). Esta distinção é inspirada em N. Loraux e P. Achard (1997).

4 N. do Trad. A expressão doriotista indica um colaborador da doutrina de Jacques Doriot (1898-1945), um político fundador do partido popular francês (PPF) e ligado ao fascismo na França.

5 Ver as narrativas relatadas por Midhat SAMIC, Les voyageurs français en Bosnie à la fin du 18e siècle et le pays qu’ils ont vu, Paris, Didier, 1960, 282p.

6 Jean-Claude Berrier, La Youguslavie, Paris, Fernand Nathan, 1958, 159 p.; p.13.

7  Eric Moranges, “Les tentations de la sécession”, Le Quotidien de Paris, 6 mai 1980, p. 5.

8 As informações que seguem neste parágrafo são principalmente retiradas de J. Gayon (1997). Ver também P.-A. Taguieff (1992).

9 Claude Lévi-Strauss, Race et histoire, Paris, Unesco, La question raciale devant la science moderne, 1952, 50 p. Reeditado em: Claude Lévi-Strauss, Anthropologie structurale II, Paris, Plon, 1973, 450 p. ; 377-422.

10 Unesco, Déclaration sur la race, 18 juillet 1950, § 6. Citado por P.-A. Taguieff (1992: 228).

11 Geoges Vacher de Lapouge, Les Sélections sociales. Cours de science politique professé à l’université de Montpellier (1888-1889), Paris, Albert Fontmoing, 1986, 503 p. Sur Geoges Vacher de Lapouge (1854-1936) et ses conceptions ethno-raciales, voir: P.-A Taguieff (1991, 1994, 1998: 91-163); A. Béjin (1982 et 1996); C.Cohen (1991). G. Thuillier (1997).

12 Citado por A. Béjin (1996: 4 390).

13 Jacques Boulanger, Le Sang français, Paris, Denoël, Coll. Aspects de la science, 1943, 349 p. Citado por P.-A. Taguieff (1998: 151).

14 Sobre George Montandon (1879-1944, existe para este sobrenome duas grafias) e seus trabalhos, ver M. Knobel (1988 e 1999); R. Meyran (1999); D. Fabre (1997); P. Birnbaum (1993: 187-198).

15 Ver, de George Montandon a partir de 1933: La race, les races. Mise au point d’ethnologie somatique, Paris, Payot, Coll. Traité d’ethnologie cyclo-culturelle et d’ergologie ssystématique, Paris, Payot, Coll. Bibliothèque scientifique, 1934, 778 p.; L’Ethnie française, Paris, Payot, Coll. Bibliothèque scientifique, 1935, 240 p.; Comment reconnaître et expliquer le Juif? Seguido de Portrait moral do Juif, Paris, Nouvelles Éditions Françaises, 1940, 94 p.

16 A coleção integral de L’Ethnie Française foi objeto de uma reedição em fac-simile em 1933, sob o título George Montandon e L’Ethnie Française (1941-1944). Após nossas investigações pessoais, a publicação desta obra, editada por uma efêmera casa de edição nomeada Arquivos de história da etnologia (Paris), foi visivelmente destinada a fazer circular as teses de Montandon nos meios de extrema direita e neo-nazistas.

17 George Motandon, “Racisme et Juifs”, L’Ethnie française, nº 7, janvier 1943, p. 2-6.

18 George Montandon, “Ce que signifie ethnie française”, L’Ethnie française, nº 1, mars 1941, p. 2-4. Sublinhado por Montandon.

19 Ver H. Bausinger ([1971] 1993: 33-37 e 68-72).

20 Citado por É. Conte e C. Essner (1995 : 214).

21 Extraído de um artigo publicado na La Rue scientifique, 23 décembre 1933. Citado nas páginas promocionais não numeradas realizadas pelas edições Payot para o livro de George Montandon, La race, les races. Mise au point d’ethnologie somatique, e figura no fim da obra de Montandon, L’ologenèse culturelle. Traité d’ethnologie cyclo-culturelle et d’erologie systématique, Paris, Payot, Coll. Bibliothèque scientifique, 1943, 778 p.

22 Ivan Trousselle, “Les quartiers de Los Angeles”. La Croix, 17 octobre 1995, p. 4.

23 Manchete de um artigo de Fabrice Rousselot, “Tension interethnique sur l’île aux Chiens”. Libération, 5 avril 1994, p. 10.

24 Jean-Pual Mari, “USA: les nouveaux sauvages” [article sur les gangs à Los Angeles], Le Nouvel Observateur, 19 août 1988, p. 40-42.

25 Este corpus elaborado no quadro de nossa tese de doutorado em ciências da linguagem (A. Krieg, 2000) é composto de enunciados provenientes principalmente da imprensa francesa. Ele comporta mais de 5000 ocorrências de variantes da fórmula da purificação étnica. (Designamos por variante da fórmula uma unidade ou uma série de unidades remetendo à fórmula, como purificação étnica, limpeza étnica, depuração étnica, etnicamente puro, pureza étnica, sendo depurado etnicamente, autolimpeza étnica...) Ver também a obra que resulta de dois dos seis capítulos da tese: A. Krieg-Planque (2003).

26 Pierre Bouretz, “Crime contre l’humanité”, La Croix, 12 août 1992, p. 14. As citações que seguem são extratos dessa tribuna.

27 Manchete de um artigo de Pierre Bruynooghe, “Yougulasvie: le pays à feu et à sang”, Les Cités de l’actualité, 20 août 1992, p. 2.

28 Sobre o julgamento de eufemização e sobre o eufemismo como categoria de avaliação axiológica, isto é, o fato de um eufemismo ser um eufemismo para qualquer um (ou para uma comunidade, ou um grupo, um partido, uma época... mas não em si), ver A. Krieg-Planque (2004).

29 As atas do colóquio estão publicadas em Mots. As Linguagens da política (1992).

30 Esta proposição de lei tinha sido destituída em 13 de fevereiro de 2003 por iniciativa do deputado Michel Vaxes. Ele tendia “a suprimir a palavra ‘raça’ e a substituir por alguns adjetivos derivados deste termo, tal qual “racial” e “raciais”, pelo adjetivo “étnico”. A comissão de lei da Assembléia Nacional recusou examinar o texto, avaliando particularmente que a palavra raça era mais útil na luta contra o racismo do que a supressão deste termo.

31 Pascal Clément. Examinando em comissão a proposição de lei de Michel Vaxés, vários deputados tenderam à supressão da palavra raça da legislação (nº 623). Reunião de 5 de março de 2003. Resumo nº 30.

32 Tribuna de Norbert Rouland, “La France et sés peuples autochtones”, Le Figaro, 19 juin 1996, p. 12. Assinado por Rouland.

33 Alain Griotteray, “Un rêve africain”, Le Figaro, 7 avril 1994, p. 45. Assinado por Grioterray.

34 Nós escrevemos “os outros” e não “o Outro”, “o outro” ou “outrem”, pois o que está em causa aqui não é a relação entre sujeitos, como em Nós e os outros de Tzvetan TODOROV (1989), mas, a relação entre “nós”, o grupo cultural e social ao qual eu pertenço e, “os outros”, aqueles que pertencem a grupos culturais e sociais identificados como diferentes dos meus.

35 A. Rivera (1999:44). Ver igualmente J.-L. Fournel e J.-C. Zancarini (2000).

36  Pierre Blanchet, “Sudan: les aiguilleurs de la suivre”, Le Nouvel Observateur, 7 octobre 1988, p.54.

37 Nota em destaque, “Burundi. Vinte pessoas foram assassinadas segunda no norte do país”, Libération, 23 de novembro 1994, p. 15.

38 Expressão utilizada nos debates sobre a reforma do estatuto da Córsega, que fora invalidada, em 1991, pelo Conselho constitucional.

39 Por exemplo: “Hoje, seu número [dos Negros que vivem na França] multiplicou por dez. Uma população cada vez mais jovem, viva, visível, composta por africanos, mas também por antilhanos, os negros [Blacks] fazem parte da nossa paisagem étnica”. (Patrick Séry e Macha Séry, “Les défis de Blacks à la France”, L’Événement du jeudi, 16 septembre 1993, p. 67-69).

40 Encontraremos com freqüência o adjetivo étnico nas colunas da imprensa de extrema direita, sobretudo através de expressões tais como banlieu ethnique (periferia étnica), dealer ethnique (traficante étnico), voyou ethnique (delinqüente étnico), quartier ethnique (bairro étnico), bande ethnique (bando étnico).

41 Em poucas palavras, eis como nós vemos a relação entre étnico, adjetivo denominal, isto é, um derivado do nome (ou, aqui, visto como tal), e o substantivo etnia. Nós consideramos que étnico é ao mesmo tempo relacional e ambíguo (isto é, que o adjetivo não faz aparecer univocamente a relação que se estabelece entre o nome etnia do qual ele deriva e o nome que o rege – por exemplo conflito em conflito étnico) e enunciativamente sobre-determinado (isto é, deixando-o em estado de sub-determinação na ação enunciativa do termo etnia do qual ele é subjacente – dito de outro modo, o termo étnico é sub-determinado pela ação do pressuposto de existência de ‘etnia (s)’ como categoria do mundo). Para mais detalhes sobre este funcionamento do adjetivo denominal, ver A. Krieg (2002).

42 Ver Laurence Benaim, “Jean-Paul Gautier: ethnique chic”, Le Monde, 23-24 octobre 1988, p. 12.; “L’ethnique chahute le strict”, páginas de moda em Elle, 23 de setembro de 1996, p. 106-107.

43  Ver Emanuelle Toscan du Plantier, “Ethnique”, L’Express, 21 janvier 1993, p. 32. O leitor poderá igualmente consultar um catálogo de vendas correspondente a decoração, mobiliário ou vestuário da casa.

44 Ver Sylvain Aubril, “L’ethnique rattrapé par la crise”, LSA, Paris, nº 1586, 28 de maio de 1998, p. 58-59.; Sylvain Aubril, “ Le portrait-robot du consommateur de plats ethniques se dessine”, LSA, nº 1591, 2 juillet 1998, p. 38-39.; Sylvie Guingois et Bruno Askenazi, “Le courant ethnique fait école”, LSA, nº 1607, 19 novembre 1998, p. 62-65. 

45 Joëlle Frasnetti, “En vogue: l’ethnique, la chaleur”, Le Parisien, 30 de abril de 1994, p. 3. 

46 Sylvie Guingois et Bruno Askenazi, “Le courant ethnique fait école”, LSA, nº 1607, 19 novembre 1998, p. 62-65. 

47 Sylvain Aubril, “Le portrait-robot du consommateur de plats ethniques se dessine”, LSA, nº 1591, 2 juillet 1998, -. 38-39.

48 N. do Trad.: A autora emprega neste texto a expressão l’Hexagone, ou seja, um modo de designar a França por conta de sua forma no mapa. Optamos no texto diretamente pela expressão França.

49 As informações que se seguem são retiradas principalmente do Littré, do Trésor de la langue française e do Dictionnaire historique de la langue française. Ver também M. Casevitlz e L. Basset (1996).

50 Ethnique, adj., 1972: que serve para designar uma população. Palavra ethnique. “Français” é um nome ethnique. Ethinique, subst., 1864: denominação de um povo. O ethnique de France é “Français”.

51 Estes critérios, mais ou menos pertinentes às regiões do globo, não convergem necessariamente. Aliás, depois dos anos de 1960, a noção de “ethnie” é considerada uma problemática para os etnólogos e antropólogos eles mesmos, pois utilizam pouco a palavra ethnie [etnia] em seus trabalhos, e muito mais os termos grupo, comunidade, família (de língua)... Sobre essa problemática da noção de “ethnie” em etnologia e antropologia, ver principalmente: M. Banks (1996); P. Poutignat et J. Streiff-Fenart (1995); J.-L. Amselle (1990); J.-L. Amselle E E. M’Bokolo ([1985] 1999); P. Mercier (1968). Ver igualmente J.-F. Gossiaux (2002).

52 Tribuna de Yan de Kerorguent e Ariel Nathan “Faut-il attendre que Sarajevo brûle?”, La Croix, 26 mai 1992, p. 22.

53 Laurent Joffrin, “Saravejo: la colère des abandonnés”, Le Nouvel Observateur, 21 janvier 1993, p. 52-54.

54 Tribuna de Salman Rushdie, “La Bosnie en tête”, Libération, 2 mai 1994, p. 6.

55Para mais detalhes ver A. Krieg (2000: 55-57). A. Krieg-Planque (2003: 16) e A. Krieg-Planque (a ser publicado em 2006).

56 Podemos sublinhar o substantivo ethnicity, mas sabendo que ele não recobre realmente nem ethnicité e nem ethnie.

57 A divisão em questão, encorajada pelos trabalhos da cultural studies, falam do ponto de vista do comunitarismo, como também testemunham a nomenclatura dos departamentos universitários e das prateleiras das livrarias: community stdudies, ethnic studies, racial studies (e ethnic and racial stdudies), black studies, gender studies, women’s studies, gay studies, lesbian studies...

 

Referências Bibliográficas

Encontram-se aqui as referências dos textos que nós reunimos ao menos uma vez “em parceria” (modo de dizer “com” ou “contra”, pela diferença com o modo de dizer “sobre” que caracteriza a reunião “em corpus”). As referências dos textos que nós citamos exclusivamente no corpus não são retomadas aqui, já que são textos de obras, de artigos de revistas científicas ou, como era o caso mais freqüente, de artigos publicados na imprensa escrita. Para esclarecimentos, ver no início do artigo “Notas sobre a apresentação das referências”.

 

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Mots-clés: ethnie,  race, lexicologie socio-politique
Palavras-chave: etnia, raça, lexicologia sócio-política
Key-words:  ‘ethnie’, race, socio-political lexicography

 

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